20 fevereiro 2017

Julgamento De Jesus Cristo

POUCOS julgamentos do passado, se é que algum, são tão conhecidos como este. Quatro relatos da Bíblia, chamados de Evangelhos, descrevem a prisão, o julgamento e a execução de Jesus Cristo. Por que você deveria se interessar por esse assunto? Porque Jesus disse que seus seguidores deviam comemorar sua morte, o que aumenta a importância do julgamento que levou a esse desfecho; porque devemos saber se as acusações contra Jesus eram verdadeiras; e porque o sacrifício que Jesus fez, dando voluntariamente sua vida, é de importância vital para nós e para o nosso futuro. — Lucas 22:19; João 6:40.
Na época do julgamento de Jesus, a Palestina era governada por Roma. Os romanos permitiam que as autoridades religiosas judaicas administrassem a justiça entre os judeus segundo suas próprias leis, mas pelo visto não lhes concediam o direito legal de executar criminosos. Portanto, Jesus foi preso por seus inimigos religiosos judeus, mas executado pelos romanos. Sua pregação deixou os líderes religiosos da época tão humilhados que eles decidiram que Jesus devia morrer. Mesmo assim, queriam que essa execução parecesse legal. Uma análise dos esforços que eles fizeram para conseguir isso levou um professor de Direito a classificar o caso como “o pior crime conhecido da história da jurisprudência”.*
Um erro após o outro
A Lei que Moisés transmitiu a Israel tem sido chamada de “o melhor e mais perspicaz sistema de leis já promulgado”. No entanto, os rabinos no tempo de Jesus, que tinham o costume de criar leis para tudo, haviam acrescentado a ela uma grande quantidade de regras, muitas das quais foram mais tarde registradas no Talmude. (Veja o quadro “Leis judaicas nos primeiros séculos”, na página 20.) Será que o julgamento de Jesus cumpriu esses critérios bíblicos e seculares?
Será que Jesus foi preso porque duas testemunhas fizeram a mesma acusação contra ele num tribunal? Para que a prisão fosse legal, deveria ter sido assim. Na Palestina do primeiro século, um judeu que acreditasse que uma lei tinha sido violada levava o caso ao tribunal durante sessões regulares. Os tribunais não podiam acusar; eles simplesmente investigavam as acusações apresentadas. A acusação só podia ser feita pelas testemunhas de um suposto crime. O julgamento começava quando o depoimento de pelo menos duas testemunhas do mesmo caso estavam de acordo. Seu testemunho constituía a acusação, o que levava à detenção do acusado. As provas apresentadas por apenas uma testemunha não eram aceitas. (Deuteronômio 19:15) No caso de Jesus, porém, as autoridades judaicas apenas procuraram um “meio eficiente” de se livrar dele. Ele foi preso quando surgiu “uma boa oportunidade” — à noite e “sem que houvesse uma multidão em volta”. — Lucas 22:2, 5, 6, 53.
Quando Jesus foi preso, não havia nenhuma acusação contra ele. Os sacerdotes e o Sinédrio, a suprema corte judaica, só começaram a procurar testemunhas depois de sua prisão. (Mateus 26:59) Eles não conseguiram encontrar duas testemunhas que estivessem de acordo. Além disso, não cabia ao tribunal ficar procurando testemunhas. E “julgar um homem, ainda mais quando a vida dele estava em jogo, sem especificar de antemão o crime pelo qual ele estava sendo julgado, pode ser apropriadamente chamado de ultraje”, disse o advogado e escritor A. Taylor Innes.
A turba que havia detido Jesus levou-o até a casa do ex-sumo sacerdote Anás, que começou a interrogá-lo. (Lucas 22:54; João 18:12, 13) Por agir assim, Anás desprezou a regra de que acusações passíveis de pena de morte deviam ser julgadas de dia, não à noite. Além disso, qualquer investigação deveria ser realizada em tribunal público, não a portas fechadas. Sabendo que o interrogatório de Anás era ilegal, Jesus disse: “Por que me interrogas? Interroga os que ouviram o que lhes falei. Eis que estes sabem o que eu disse.” (João 18:21) Anás deveria examinar as testemunhas, não o acusado. A observação de Jesus teria motivado um juiz honesto a respeitar os procedimentos corretos, mas Anás não estava interessado na justiça.
Por causa da resposta de Jesus, um dos guardas lhe deu uma bofetada — e esse não foi o único ato de violência que ele sofreu naquela noite. (Lucas 22:63; João 18:22) A lei registrada no livro bíblico de Números capítulo 35, sobre as cidades de refúgio, diz que os acusados deviam ser protegidos contra maus-tratos até que se provasse sua culpa. Jesus deveria ter recebido essa proteção.
Depois ele foi levado à casa do Sumo Sacerdote Caifás, onde aquele julgamento ilegal continuou noite adentro. (Lucas 22:54; João 18:24) Ali, contra todos os princípios de justiça, os sacerdotes procuraram “falso testemunho contra Jesus, para o entregarem à morte”. No entanto, não havia duas pessoas que dissessem a mesma coisa sobre o que Jesus tinha falado. (Mateus 26:59; Marcos 14:56-59) Assim, o sumo sacerdote tentou fazer com que o próprio Jesus se incriminasse. “Não dizes nada em resposta?”, perguntou ele. “O que é que estes testificam contra ti?” (Marcos 14:60) Essa tática era completamente inaceitável. “Questionar o acusado e condená-lo com base em sua resposta, era uma violação da justiça formal”, observou Innes, já citado.
Por fim, aqueles homens se aproveitaram de uma declaração de Jesus. Em resposta à pergunta: “És tu o Cristo, o Filho do Bendito?”, Jesus respondeu: “Sou; e vós vereis o Filho do homem sentado à destra de poder e vindo com as nuvens do céu.” Os sacerdotes concluíram que isso era uma blasfêmia e “todos o condenaram a estar sujeito à morte”. — Marcos 14:61-64.*
De acordo com a Lei mosaica, os julgamentos deviam ser realizados em público. (Deuteronômio 16:18; Rute 4:1) Mas esse julgamento foi em secreto. Ninguém tentou ou teve permissão para falar a favor de Jesus. Nenhuma investigação foi feita sobre a afirmação de Jesus de ser o Messias. Ele não teve oportunidade de apresentar testemunhas de defesa. Não houve nenhuma votação ordeira entre os juízes para determinar sua culpa ou inocência.
Perante Pilatos
Visto que os judeus pelo visto não tinham autoridade para executar Jesus, eles o levaram a Pôncio Pilatos, o governador romano. A primeira pergunta de Pilatos foi: “Que acusação levantais contra este homem?” Cientes de que a acusação forjada de blasfêmia não significaria nada para Pilatos, os judeus tentaram fazer com que ele condenasse Jesus sem investigar o caso. “Se este homem não fosse delinquente, não o teríamos entregado a ti”, disseram eles. (João 18:29, 30) Pilatos rejeitou esse argumento, o que forçou os judeus a fazer outra acusação: “Achamos este homem subvertendo a nossa nação e proibindo o pagamento de impostos a César, e dizendo que ele mesmo é Cristo, um rei.” (Lucas 23:2) Assim, a acusação de blasfêmia foi astutamente mudada para traição.
A acusação de que Jesus ‘proibia o pagamento de impostos’ era falsa, e seus acusadores sabiam disso. Ele ensinou exatamente o oposto. (Mateus 22:15-22) Sobre a acusação de que Jesus tinha feito de si mesmo rei, Pilatos logo viu que aquele homem não representava nenhuma ameaça para Roma. “Não acho falta nele”, declarou. (João 18:38) Essa foi a opinião de Pilatos até o fim do julgamento.
Primeiro, Pilatos tentou livrar Jesus com base no costume de libertar um prisioneiro na Páscoa. Mas acabou libertando Barrabás, que era culpado de sedição e assassinato. — Lucas 23:18, 19; João 18:39, 40.
A seguir, Pilatos tentou uma solução conciliatória para livrar Jesus. Ele ordenou que o chicoteassem, o vestissem de púrpura, o coroassem com espinhos, o espancassem e o ridicularizassem. Mais uma vez, ele declarou a inocência de Jesus. Era como se Pilatos estivesse dizendo: ‘Isso não basta para vocês, sacerdotes?’ Talvez ele esperasse que a visão de um homem submetido ao açoitamento romano satisfizesse a ânsia deles de vingança ou os fizesse sentir compaixão. (Lucas 23:22) Mas isso não aconteceu.
Pilatos procurava um modo de livrá-lo [Jesus]. Mas os judeus gritavam, dizendo: ‘Se livrares este homem, não és amigo de César. Todo homem que se faz rei fala contra César.’” (João 19:12) O César daquela época era Tibério, um imperador que tinha a reputação de executar qualquer um que fosse considerado traidor — até mesmo autoridades de alto escalão. Pilatos já tinha irritado os judeus, de modo que não podia se dar ao luxo de ter mais conflitos, muito menos de ser acusado de traição. As palavras da multidão assumiram um tom de ameaça, uma chantagem, e Pilatos ficou com medo. Ele acabou cedendo à pressão e ordenou que Jesus, um homem inocente, fosse pregado numa estaca. — João 19:16.
Uma consideração das provas
Muitos comentaristas jurídicos analisaram os relatos dos Evangelhos sobre o julgamento de Jesus e concluíram que ele foi uma fraude, uma distorção da justiça. “O fato de o começo e o término desse julgamento, bem como o pronunciamento formal da sentença, terem ocorrido entre a meia-noite e o meio-dia foi uma violência contra as normas e regras da lei hebraica, e contra os princípios de justiça”, escreveu um advogado. Certo professor de Direito disse: “Todo o processo foi conduzido com tamanha ilegalidade e teve tantas irregularidades que o resultado pode ser considerado nada mais que um assassinato da justiça.”
Jesus era inocente. Mas ele sabia que sua morte era necessária para a salvação da humanidade obediente. (Mateus 20:28) Seu amor pela justiça era tão grande que se sujeitou à mais descarada injustiça já cometida. Fez isso em benefício de pecadores como nós. Que nunca nos esqueçamos disso!
[Nota(s) de rodapé]
Lamentavelmente, as religiões da cristandade usaram os relatos evangélicos sobre a morte de Jesus para instigar ódio contra os judeus, mas essa não era a ideia dos escritores dos Evangelhos, que eram eles mesmos judeus.
Blasfêmia é o uso irreverente do nome divino ou a usurpação de poder ou autoridade que pertencem só a Deus. Os acusadores de Jesus não conseguiram provar que ele tivesse feito qualquer uma dessas coisas.
[Quadro/Foto na página 20]
Leis judaicas nos primeiros séculos
A tradição oral judaica, colocada por escrito nos primeiros séculos da Era Comum, mas considerada bem mais antiga, incluía as seguintes regras:
Em casos passíveis de pena de morte, os argumentos pela absolvição eram ouvidos primeiro
Os juízes deviam fazer todo o possível para salvar o acusado
Os juízes podiam argumentar a favor do acusado, mas não contra ele
As testemunhas eram alertadas da seriedade de seu papel
As testemunhas eram ouvidas separadamente, não na presença umas das outras
O testemunho delas precisava concordar em todos os pontos fundamentais: data, lugar, hora da ocorrência e assim por diante
Acusações passíveis de pena de morte tinham de ser julgadas durante o dia e concluídas durante o dia
Casos passíveis de pena de morte não podiam ser julgados na véspera de um sábado religioso ou de uma festividade
Casos passíveis de pena de morte podiam começar e terminar no mesmo dia se o réu fosse considerado inocente; se fosse considerado culpado, o caso só podia ser encerrado no dia seguinte, quando o veredicto era anunciado e a sentença executada
Casos passíveis de pena de morte eram julgados por pelo menos 23 juízes
Os juízes votavam um de cada vez na hora de absolver ou condenar um réu, começando pelo juiz mais novo; os escribas registravam as palavras dos que eram a favor da absolvição e dos que eram a favor da condenação
Para alguém ser absolvido, bastava a diferença de um voto, mas para ser condenado era necessário uma diferença de pelo menos dois votos; se houvesse apenas um voto de diferença pela condenação, convocavam-se mais juízes, dois de cada vez, até haver uma diferença de dois votos
Uma condenação sem que pelo menos um juiz tivesse argumentado a favor do réu era inválida; uma condenação unânime era considerada “indício de conspiração”
Ilegalidades no julgamento de Jesus
O tribunal não ouviu os argumentos nem as testemunhas a favor da absolvição
Nenhum juiz tentou defender Jesus; eles eram inimigos dele
Os sacerdotes procuraram falsas testemunhas para condenar Jesus à morte
O caso foi ouvido à noite, a portas fechadas
O julgamento começou e terminou no mesmo dia, na véspera de uma festividade
Não houve nenhuma acusação formal antes da prisão de Jesus
A afirmação de Jesus de ser o Messias, considerada uma “blasfêmia”, não foi analisada
A acusação foi alterada quando o caso chegou perante Pilatos
As acusações eram falsas
Pilatos considerou Jesus inocente e mesmo assim mandou executá-lo
[Quadro na página 22]
O sangue recaía sobre as testemunhas
O seguinte alerta sobre o valor da vida era dado pelos tribunais judaicos às testemunhas em casos passíveis de pena de morte antes de elas fornecerem provas:
Talvez vocês tenham a intenção de testemunhar com base em suposições, boatos ou no que uma testemunha disse para outra; ou pode ser que estejam pensando: ‘Ouvimos isso de uma fonte confiável.’ Ou talvez não saibam que no final nós vamos interrogá-los usando testes de interrogatório e investigação apropriados. Fiquem sabendo que as leis que regem um julgamento em casos de propriedade são diferentes das leis que regem um julgamento em casos passíveis de pena de morte. No caso de um julgamento envolvendo propriedade, a pessoa paga uma quantia e obtém livramento para si mesma. Nos casos passíveis de pena de morte, o sangue [do acusado] e o sangue de todos os filhos que ele [aquele que foi injustamente condenado] viesse a ter recairão sobre ele [aquele que dá falso testemunho] até o fim dos tempos.” — Talmude Babilônico, Sinédrio, 37a.
Se o réu fosse condenado, as testemunhas tinham de agir como executores. — Levítico 24:14; Deuteronômio 17:6, 7.

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